terça-feira, 28 de agosto de 2012

Preocupação com o meio ambiente não é sinônimo de consciência ambiental

Já faz um bom tempo que ser Ecochato vem se tornando cada vez mais legal, ao ponto de se tornar algo politicamente correto e perigosamente hipócrita. Nos últimos anos algumas pesquisas vêm apresentando dados positivos, mas duvidosos, em relação ao aumento da consciência ambiental dos brasileiros. Dizer que está preocupado com a Floresta Amazônica, com a poluição dos rios e até com a redução do uso de sacolas plásticas virou uma resposta de aceitação social, assim como quando perguntamos as pessoas se elas são egoístas ou invejosas, mesmo que sejam elas dificilmente admitirão.

É muito fácil eu responder a uma pesquisa dizendo que me preocupo com a fome no mundo enquanto gasto uma fortuna comprando doces, refrigerantes, comidas sofisticadas e banco idas a restaurantes luxuosos. Também é fácil eu dizer que gostaria de um transporte público de qualidade falando isso de dentro do meu carrão importado. Da mesma forma é fácil eu dizer que me preocupo com o meio ambiente, mas na prática eu jogo lixo nas ruas, desperdiço água, jogo fora coisas que serviriam para alguém e fico sempre atento aos lançamentos das marcas mais famosas para afirmar meu status. É muito simples ser hipócrita e provocar resultados enganosos em uma pesquisa.

No fim de 2010 eu já havia publicado aqui o artigo “Pesquisas revelam que boas intenções contrastam com ausência de gestos dos consumidores brasileiros“. Apresentei duas pesquisas excelentes e inéditas que identificavam esta discrepância. Mas na última quinta-feira (16) fui surpreendido por uma pesquisa do Ministério do Meio Ambiente afirmando que a consciência ambiental dos brasileiros quadruplicou em 20 anos.

A pesquisa aconteceu pela primeira vez em 1992 durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio 92. A quinta edição desta pesquisa retornou, vinte anos depois, intitulada “O Que o Brasileiro Pensa do Meio Ambiente e do Consumo Sustentável”. Entre os dias 15 e 30 de abril foram ouvidas 2.201 pessoas, entre homens e mulheres, acima de 16 anos nas cinco regiões do país.

A meu ver é óbvio que a consciência dos brasileiros – em todos os sentidos – tenha quadruplicado em 20 anos, pois em 1992 o Brasil e os brasileiros ainda não estavam acostumados com a recente liberdade de expressão e informação adquirida após décadas de controle pela ditadura militar. Além disso, é preciso destacar um fato que ocorreu no mesmo ano, mas não é tratado com a devida importância histórica: o inédito impeachment de um presidente no Brasil. Como podemos ser conscientes sem saber da própria história? Enfim, isso é outro assunto.

O resultado otimista desta pesquisa sobre o aumento da preocupação ambiental dos brasileiros é muito vago para aceitarmos como uma conclusão positiva. Segundo a pesquisa 99,7% dos brasileiros consideram importante cuidar do meio ambiente. Alguém responderia ao contrário? Claro que não, é feio perante a sociedade. Mas, como eu disse no título deste post, dizer que se preocupa com o meio ambiente não é sinônimo de consciência ambiental. Isso fica bem claro em outras partes da pesquisa.
De acordo com a pesquisa 43% sentem muito orgulho do país e para a maioria, 28%, o principal motivo é o “meio ambiente”. 61% dos entrevistados continuam achando que o desmatamento das florestas é o principal problema ambiental do país, mas infelizmente – na última posição – apenas 2% disseram que o principal problema é a falta de conscientização ambiental da população. Bingo! Acredito que se os brasileiros estivessem realmente mais conscientes a resposta sobre a falta de conscientização ambiental deveria ter sido a mais escolhida, não acham? Até porque a falta de conscientização que provoca todos os outros problemas. Veja na imagem abaixo:


57% dos brasileiros se consideram mais ou menos informados sobre meio ambiente, e eles têm toda razão. A polêmica das sacolas plásticas serve como exemplo para ilustrar isso, já que não nos dão informações suficientes nem discutem sobre reciclagem para apontar o saco plástico como o verdadeiro vilão. Apenas 3% dos entrevistados apontaram as sacolas como um dos principais problemas ambientais. 76% disseram ter aderido a campanhas de redução do uso de sacolas e 85% estariam dispostos a aderir em cidades que ainda não fazem campanhas de redução. Não sei se os entrevistados realmente aderiram às campanhas, ao ponto de nem se preocupar tanto com o problema, ou se quiseram apenas, mais uma vez, dar uma resposta politicamente correta.
Sobre hábitos desfavoráveis ao meio ambiente 41% admitem que jogam pilhas e baterias no lixo e 71% não jogam óleo usado na pia. Parece que as campanhas sobre descarte correto de óleo deram certo. Em compensação existe um dado duvidoso: 50% dos entrevistados dizem que não jogam remédios fora de validade no lixo. Ok, então jogam aonde? A pergunta deveria ser reformulada, pois a grande maioria descarta medicamentos vencidos no vaso sanitário. Já escrevi sobre isso no post "E se a água que usamos estivesse contaminada por medicamentos?"

Outro ponto curioso é em relação aos hábitos de consumo. Não é novidade que as decisões de compra em uma casa são muito influenciadas por mulheres, mas atualmente praticamente tudo que é importante é decido por elas, como alimentos, móveis, eletrodomésticos e roupas, o resto é decidido por ambos. Não é à toa que 40% dos cartões de crédito do país são usados por elas.
Por mais que as mulheres sejam naturalmente mais conscientes, a pesquisa identificou que apenas 32% dos entrevistados se sentem culpados ao consumir por impulso e somente 28% se arrependem quando compram produtos fora do orçamento. É um dado interessante, pois tem tudo a ver com as notícias que vemos ultimamente falando sobre o endividamento dos brasileiros provocado pelo uso descontrolado do cartão de crédito, aquele “grande” facilitador das compras. Segundo o último levantamento do Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor) o brasileiro compromete 42% da sua renda familiar com dívidas no cartão de crédito. Além disso, 38,1% das famílias brasileiras não conseguem pagar a fatura antes da data de vencimento, sendo submetidas a altíssimas taxas de juros cobradas pelos bancos que podem alcançar até 323% ao ano.
Então estamos mais conscientes em relação ao meio ambiente, mas consumindo desesperadamente, gerando mais lixo, mais desperdício... faz sentido?
Ainda assim a pesquisa mostra que, se tivesse uma renda extra, 72% dos brasileiros aplicariam na poupança ou em fundos de investimento. Claro, se conseguirem pagar as faturas dos cartões de crédito.
Como qualquer pesquisa eu achei essa muito válida, mas não pela afirmação positiva noticiada pela imprensa, que o brasileiro está mais consciente, mas por mostrar que as respostas dos brasileiros são totalmente influenciadas pelo que a imprensa noticia. Portanto é necessário que tenhamos mais informação de qualidade, que possamos falar de outras coisas que levam a degradação ambiental, principalmente o consumismo. Só assim teremos brasileiros realmente conscientes, não só pelo que supostamente querem, mas pelo o que fazem.









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