Cresce a cada dia o interesse da ciência do direito e de seus cultores e
operadores por temas relativos à saúde. Hoje não só as escolas de saúde pública
mantêm em seus quadros professores com formação jurídica, como também as
escolas de direito, os cursos de formação de magistrados e de membros dos
Ministérios Públicos ensinam o direito sanitário. E isso acontece não só no
Brasil, mas em diversas partes do mundo, em países mais ou menos desenvolvidos.
Esse crescimento é fruto direto do convencimento de que todos os atos do Estado
Democrático de Direito precisam ser traduzidos em normas jurídicas, porque nada
do que está escrito nas Constituições pode permanecer letra morta, devendo ser
sempre possível o recuso ao Poder Judiciário quando um direito afirmado não
está sendo realizado. Por outro lado, esse crescimento resulta também da
convicção de que o direito à saúde faz parte daquele elenco mínimo de direitos
fundamentais à dignidade das pessoas, conhecido sob o nome de “direitos
humanos”. No Brasil esse campo do conhecimento, que cuida da ciência pura do
direito e da saúde pública e de suas implicações práticas, nas políticas
públicas e nos tribunais, recebeu o nome de “direito sanitário”.
Outras áreas que se vêm aproximando mais intensamente são a saúde pública
e saneamento do meio. Chega a ser estranho que isso esteja acontecendo agora,
pois desde seus primórdios a idéia de saúde esteve associada à qualidade do
meio ambiente. Para Hipócrates, quatrocentos anos antes de Cristo, uma pessoa
só teria saúde quando vivesse em perfeito equilíbrio com o meio ambiente. As
revoluções sociais, culturais e econômicas que caracterizaram o final do século
dezoito e todo o século dezenove, entretanto, esfumaçaram essa ligação
tradicional, fazendo com que a saúde pública desse maior ênfase ao atendimento
médico e a área ambiental se preocupasse mais fortemente com a preservação da
flora e da fauna e com a questão do clima. A razão do interesse atual entre
saúde pública e saneamento do meio decorre da constatação empírica de que
convivendo com o esgoto a céu aberto nenhuma pessoa será saudável. Pelo
contrário: todas elas ficarão doentes, mesmo recebendo medicamentos adequados,
seguros e eficazes. Tornou-se evidente, igualmente, que o despejo dos esgotos
industriais e domiciliares nos rios impede a preservação das nascentes,
diminuindo significativamente a biodiversidade. A enorme riqueza representada
pelas águas doces neste período da história da humanidade encontra-se
diretamente ameaçada pelo lançamento dos esgotos in natura, dificultando a
prestação dos chamados serviços ambientais.
Essas aproximações recíprocas podem e devem ser potencializadas. A luta
para que todas as pessoas tenham acesso aos serviços de coleta e tratamento de
esgoto no Brasil pode ser um bom exemplo dos benefícios desse agir conjunto. A
Lei nº 11.445/07 fixou as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para
a política federal de saneamento básico. Ela obrigou os Municípios a elaborarem
seus Planos de Saneamento Básico (art. 9º, I) em estreita cooperação com as
associações representativas e ampla participação da população e de associações
representativas de vários segmentos da sociedade, como previsto no Estatuto da
Cidade (Lei no 10.257/01). Além disso,
ela condicionou o acesso aos recursos federais para esse fim à existência de
tais planos (art.50). Tem-se, portanto,
uma situação que interessa igualmente às áreas da saúde e do ambiente,
disciplinada juridicamente, exigindo ampla participação da população. Convém
notar ainda que o estímulo à cooperação é uma constante no tratamento desse
tema, tendo as diretrizes nacionais para o saneamento básico previsto,
inclusive, a prestação regionalizada desses serviços, supondo a atuação
conjunta dos titulares, de contratados e da população de vários Municípios.
Além disso, a Constituição da República atribuiu ao Sistema Único de Saúde o
dever de participar da formulação da política de saneamento básico (art. 200,
IV).
Existem, portanto, inúmeros caminhos abertos para a efetiva extensão da
cobertura dos serviços de coleta e tratamento de esgoto no Brasil, havendo
mesmo a destinação de recursos públicos para isso. É necessário provocar a mais
ampla discussão sobre o tema em cada um dos Municípios brasileiros: é preciso
que as pessoas participem da formulação da política de saneamento. Para
assegurar o cumprimento dessa tarefa pode-se contar com as instituições do SUS
e também com os órgãos do Ministério Público interessados, seja na saúde seja
no ambiente, pois é sua função institucional zelar pelo efetivo respeito dos
serviços de saúde aos direitos constitucionais, promovendo as medidas
necessárias para sua garantia e também proteger o meio ambiente (CF art. 129,
II e III). Todos podem e devem fomentar a elaboração da política de saneamento,
evitando que o Poder Judiciário seja constrangido a exigir o cumprimento da
lei.
Sueli Gandolfi
Dallari é Professora Titular da Universidade de São Paulo, Fundadora do Centro
de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário e Embaixadora do Instituto Trata
Brasil.
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