É muito fácil eu responder a uma
pesquisa dizendo que me preocupo com a fome no mundo enquanto gasto uma fortuna
comprando doces, refrigerantes, comidas sofisticadas e banco idas a
restaurantes luxuosos. Também é fácil eu dizer que gostaria de um transporte
público de qualidade falando isso de dentro do meu carrão importado. Da mesma
forma é fácil eu dizer que me preocupo com o meio ambiente, mas na prática eu
jogo lixo nas ruas, desperdiço água, jogo fora coisas que serviriam para alguém
e fico sempre atento aos lançamentos das marcas mais famosas para afirmar meu
status. É muito simples ser hipócrita e provocar resultados enganosos em uma
pesquisa.
No fim de 2010 eu já havia
publicado aqui o artigo “Pesquisas revelam que boas intenções contrastam com
ausência de gestos dos consumidores brasileiros“. Apresentei duas pesquisas
excelentes e inéditas que identificavam esta discrepância. Mas na última
quinta-feira (16) fui surpreendido por uma pesquisa do Ministério do Meio
Ambiente afirmando que a consciência ambiental dos brasileiros quadruplicou em
20 anos.
A pesquisa aconteceu pela
primeira vez em 1992 durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento - Rio 92. A quinta edição desta pesquisa retornou,
vinte anos depois, intitulada “O Que o Brasileiro Pensa do Meio Ambiente e do
Consumo Sustentável”. Entre os dias 15 e 30 de abril foram ouvidas 2.201
pessoas, entre homens e mulheres, acima de 16 anos nas cinco regiões do país.
A meu ver é óbvio que a
consciência dos brasileiros – em todos os sentidos – tenha quadruplicado em 20
anos, pois em 1992 o Brasil e os brasileiros ainda não estavam acostumados com
a recente liberdade de expressão e informação adquirida após décadas de
controle pela ditadura militar. Além disso, é preciso destacar um fato que
ocorreu no mesmo ano, mas não é tratado com a devida importância histórica: o
inédito impeachment de um presidente no Brasil. Como podemos ser conscientes
sem saber da própria história? Enfim, isso é outro assunto.
O resultado otimista desta
pesquisa sobre o aumento da preocupação ambiental dos brasileiros é muito vago
para aceitarmos como uma conclusão positiva. Segundo a pesquisa 99,7% dos
brasileiros consideram importante cuidar do meio ambiente. Alguém responderia
ao contrário? Claro que não, é feio perante a sociedade. Mas, como eu disse no
título deste post, dizer que se preocupa com o meio ambiente não é sinônimo de
consciência ambiental. Isso fica bem claro em outras partes da pesquisa.
De acordo com a pesquisa 43%
sentem muito orgulho do país e para a maioria, 28%, o principal motivo é o
“meio ambiente”. 61% dos entrevistados continuam achando que o desmatamento das
florestas é o principal problema ambiental do país, mas infelizmente – na
última posição – apenas 2% disseram que o principal problema é a falta de
conscientização ambiental da população. Bingo! Acredito que se os brasileiros
estivessem realmente mais conscientes a resposta sobre a falta de
conscientização ambiental deveria ter sido a mais escolhida, não acham? Até porque
a falta de conscientização que provoca todos os outros problemas. Veja na
imagem abaixo:
Sobre hábitos desfavoráveis ao
meio ambiente 41% admitem que jogam pilhas e baterias no lixo e 71% não jogam
óleo usado na pia. Parece que as campanhas sobre descarte correto de óleo deram
certo. Em compensação existe um dado duvidoso: 50% dos entrevistados dizem que
não jogam remédios fora de validade no lixo. Ok, então jogam aonde? A pergunta
deveria ser reformulada, pois a grande maioria descarta medicamentos vencidos
no vaso sanitário. Já escrevi sobre isso no post "E se a água que usamos
estivesse contaminada por medicamentos?"
Outro ponto curioso é em relação
aos hábitos de consumo. Não é novidade que as decisões de compra em uma casa
são muito influenciadas por mulheres, mas atualmente praticamente tudo que é
importante é decido por elas, como alimentos, móveis, eletrodomésticos e
roupas, o resto é decidido por ambos. Não é à toa que 40% dos cartões de
crédito do país são usados por elas.
Por mais que as mulheres sejam
naturalmente mais conscientes, a pesquisa identificou que apenas 32% dos
entrevistados se sentem culpados ao consumir por impulso e somente 28% se
arrependem quando compram produtos fora do orçamento. É um dado interessante,
pois tem tudo a ver com as notícias que vemos ultimamente falando sobre o
endividamento dos brasileiros provocado pelo uso descontrolado do cartão de
crédito, aquele “grande” facilitador das compras. Segundo o último levantamento
do Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor) o brasileiro
compromete 42% da sua renda familiar com dívidas no cartão de crédito. Além
disso, 38,1% das famílias brasileiras não conseguem pagar a fatura antes da
data de vencimento, sendo submetidas a altíssimas taxas de juros cobradas pelos
bancos que podem alcançar até 323% ao ano.
Então estamos mais conscientes em
relação ao meio ambiente, mas consumindo desesperadamente, gerando mais lixo,
mais desperdício... faz sentido?
Ainda assim a pesquisa mostra
que, se tivesse uma renda extra, 72% dos brasileiros aplicariam na poupança ou
em fundos de investimento. Claro, se conseguirem pagar as faturas dos cartões
de crédito.
Como qualquer pesquisa eu achei
essa muito válida, mas não pela afirmação positiva noticiada pela imprensa, que
o brasileiro está mais consciente, mas por mostrar que as respostas dos
brasileiros são totalmente influenciadas pelo que a imprensa noticia. Portanto
é necessário que tenhamos mais informação de qualidade, que possamos falar de
outras coisas que levam a degradação ambiental, principalmente o consumismo. Só
assim teremos brasileiros realmente conscientes, não só pelo que supostamente
querem, mas pelo o que fazem.
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